O ambiente de juros altos da economia brasileira, com a taxa Selic em 13,75% ao ano, e a onda crescente de saques das cadernetas de poupança, que diminui o “funding” (fonte de recursos) do setor imobiliário, levaram os bancos privados a subirem a taxa dos financiamentos imobiliários nas últimas semanas.
O quadro ligou o sinal de alerta para as incorporadoras imobiliárias, que esperam mais dificuldade nas vendas daqui em diante, com os compradores mais assustados com o custo do crédito. Ele afugenta potenciais clientes porque esse tipo de financiamento é, geralmente, de prazo muito longo.
A taxa média de juros do crédito imobiliário chegou aos dois dígitos no segundo semestre do ano passado — algo que não se via desde 2016 — e segue aumentando neste ano. Ela chegou a 10,74% ao ano em janeiro, segundo dados do Banco Central (BC), contra 9,41% e 6,98% no mesmo mês de 2022 e 2021.
A expectativa é de que as vendas de imóveis sejam mais demoradas neste ano, principalmente de médio e alto padrão. “Teremos um cenário de financiamento mais difícil em 2023”, diz Celso Petrucci, presidente da comissão da indústria imobiliária da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).
Queda nos lançamentos e vendas
A expectativa no fim do ano passado já era que o setor entraria em 2023 em desaceleração. Dados da CBIC apontam que os lançamentos de imóveis caíram 23,1% no quarto trimestre, na comparação com 2021 (para 80.198 unidades), e 8,6% no acumulado de 2022 (para 295.447 unidades).
Já as vendas de imóveis diminuíram 9,6% no quarto trimestre (para 74.119 unidades) e 3,2% no acumulado do ano (para 314.305 unidades).
Alta nas taxas
Os três maiores bancos privados do país — Itaú Unibanco (ITUB4), Bradesco (BBDC4) e Santander (SANB11) — aumentaram em fevereiro as taxas de financiamento imobiliário em 0,5 ponto porcentual, e o Santander voltou a subi-las nesta terça-feira (14), pela segunda vez neste ano.
“Todos os bancos tiveram de acabar alterando taxas ou vão alterar. Fizemos um movimento bem recente para todos os segmentos”, disse o diretor de crédito imobiliário do Itaú Unibanco, Thales Ferreira Silva.
Apesar da declaração do executivo, a Caixa Econômica Federal — a líder de mercado — e o Banco do Brasil (BBAS3), que são estatais, mantêm os valores inalterados desde o começo do segundo semestre do ano passado.
Selic e poupança
A principal razão para esse movimento é a trajetória da Selic, mas um outro ponto importante é o encarecimento das fontes de recursos que os bancos usam para conceder os empréstimos. A mais comum é a poupança, que tem vivido uma onda de saques (a caderneta já perdeu R$ 100 bilhões desde o ano passado).
Além disso, o setor vem de dois anos de demanda aquecida. Os financiamentos foram recordes em 2021 (R$ 205 bilhões) e tiveram a segunda melhor marca da história em 2022 (R$ 179 bilhões). Ou seja: consumindo os recursos da poupança, que estão em queda.
Para não deixar de emprestar, os bancos passaram a buscar dinheiro em outras fontes do setor imobiliário, como as letras de crédito (LCIs e LIGs) e os certificados de recebíveis (CRIs). Essas fontes, porém, são mais caras.
Adiamento das compras
Com esse cenário, especialistas recomendam até o adiamento da compra por algum tempo, se o consumidor puder esperar. “Como o financiamento imobiliário é de alto valor, qualquer queda de meio ponto porcentual na taxa de juros tem um impacto muito grande no valor da prestação e no total desembolsado”, diz Miguel Ribeiro de Oliveira, diretor executivo da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).
Em um financiamento imobiliário de R$ 500 mil, por exemplo, contratado por um prazo de 30 anos, a economia pode chegar a 6% (cerca de R$ 70 mil), se a taxa de juros do crédito imobiliário cair apenas um ponto porcentual, calcula o economista.
Um empréstimo com juros de 10% ao ano ficaria em R$ 1.221.966,17, enquanto um com juros de 9% ao ano sairia por R$ 1.150.460,92 (uma diferença de 71.505,25).
Além das taxas elevadas, Oliveira aponta outros fatores que devem ser considerados antes de se assumir um empréstimo. Um deles é que a taxa contratada é mantida do início ao fim do financiamento, mesmo que ocorram reduções nos juros de mercado ao longo do período. Por isso, o risco é alto de fechar um contrato quando as taxas estão altas, como atualmente. Outro é que, neste momento, há um ambiente de muita incerteza pela frente.
Incorporadoras pedem mais crédito
Em meio a esse cenário, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) encaminhou ao BC uma proposta de redução de 5 pontos percentuais no compulsório bancário, para direcionar o dinheiro para os financiamentos imobiliários e incentivar uma possível redução nas taxas de juros.
Se for aceita, a medida representará uma injeção de R$ 38 bilhões no mercado imobiliário, segundo o presidente da Abrainc, Luiz França. “Com isso, a pressão sobre a taxa não existiria mais, pois haveria ‘funding’ disponível para os bancos fazerem o mesmo volume de financiamentos do ano passado”.
Pelas regras atuais do BC, 65% dos recursos da poupança vão para os financiamentos imobiliários; 20% são guardados como colchão de liquidez na forma de depósitos compulsórios; e os outros 15% são de uso livre pelas instituições. Com a proposta, o crédito imobiliário passaria a ter 70% dos recursos e os compulsórios, 20%.
“Com a liberação desses R$ 38 bilhões, os bancos vão ter ‘funding’ para atingir o mesmo volume de financiamentos do ano passado”, diz França. “Pela lógica, os bancos deveriam voltar a ter a mesma taxa do ano passado” (o crédito imobiliário atingiu R$ 179 bilhões em 2022, mas para 2023 a previsão é de uma queda para R$ 156 bilhões).
Só imóveis novos
A proposta da Abrainc (associação das incorporadoras) prevê que a flexibilização do compulsório seja usada para financiar apenas imóveis novos, deixando de fora os usados. “É nos imóveis novos que está a geração de empregos e se movimenta a economia”, afirma o presidente da entidade.
França diz que os R$ 38 bilhões poderiam se traduzir em 160 mil apartamentos, 900 mil empregos e R$ 10 bilhões em impostos. A proposta foi entregue ao Banco Central na semana passada pela Abrainc, que representa 18 das maiores incorporadoras do país.
A associação divulgará seu balanço anual de vendas na próxima semana. O dado mais recente da associação mostra que, no trimestre entre setembro e novembro, os lançamentos recuaram 9,1% na comparação com o mesmo período de 2021 (para 40.757 unidades), mas as vendas líquidas cresceram 13,3% (para 33.435 unidades).
Fonte: InfoMoney.