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Crescimento de pessoas físicas na Bolsa leva mais capital para o agronegócio

Quando trabalhava com carteira assinada, em 2018, como auxiliar de balança eletrônica, Paulo Cezar Martins Almeida, 38 anos, abriu uma conta numa corretora de valores. Ele entrou na B3, antiga Bovespa, quando os investidores individuais não chegavam a um milhão de pessoas. Naquele ano, eram 700 mil CPFs.

Veio a pandemia, Paulo Cezar perdeu o emprego e ficou difícil continuar a investir. “É mais quando sobra, sabe?”, comenta. Ele continua lá, ao lado de outros 5,3 milhões de pessoas únicas em 2023. Desde o ano de sua entrada na Bolsa de valores, os investidores individuais cresceram 657%.

“Eu comecei a aprender graças ao YouTube”, explica Paulo Cezar sobre os primeiros contatos com o mercado de valores. Além da popularização do acesso a plataformas online, governos e setores da economia têm peso expressivo no boom de pessoas físicas que entraram no sistema online financeiro, com destaque para o agronegócio.

Enquanto o setor imobiliário apresentou crescimento de 89% no número de novos investidores e valores sob custódia, o “setor agro” ostenta números até três vezes maiores. Entre 2020 e março de 2023, os investidores individuais do setor dispararam em 272%. De grão em grão, ou melhor, de investidor em investidor, o setor alcançou os R$ 460,1 bilhões em aplicações de pessoas físicas, um crescimento de receita de 215%.

Na conta da B3, as aplicações para o setor ocorrem em três produtos: as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e o recente Fiagro, o Fundo de Investimento das Cadeias Produtivas Agroindustriais.

O dinheiro, que rende juros aos investidores, é tomado em empréstimos pelo setor agroexportador para financiar toda a cadeia, desde os insumos de produção até a logística de distribuição.

Parte das empresas tomadoras de recursos são denunciadas por crimes ambientais, grilagem de terras públicas, despossessão de grupos indígenas e quilombolas e trabalho análogo à escravidão. Mesmo assim, estímulos fiscais e baixos preços, a exemplo do Fiagro, que vende cotas inferiores a R$ 10, são chamariz para investidores individuais que têm quantias a “economizar” ou “investir para o futuro”.

Máquina de fazer investidor

O canal “Stormer”, criado pelo trader gaúcho Alexandre Wolwacz, reúne 288 mil inscritos no YouTube. Alexandre Stormer conta que começou na Bolsa de Valores em 1998. “Naquela época, a gente girava em torno de R$ 200 milhões [na Bolsa] por dia, existiam só 50 mil pessoas físicas operando ações no ano de 2000, uma piada, né?”, diz.

Ele atribui à criação do “mini-índice” dos Minicontratos Futuros e dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII) o crescimento de pessoas físicas no mercado financeiro. “Vieram os fundos imobiliários, com cotas de R$ 10, R$ 7”, portanto, acessíveis ao pequeno investidor, descreve Stormer.

A depender do movimento de influencers digitais financeiros, os novos investidores podem ser os antigos poupadores. Segundo dados do Banco Central do Brasil de 2022, a caderneta de poupança teve desempenho negativo nas captações líquidas, que é a diferença entre depósitos e retiradas, de R$ 102 bilhões dos estoques em relação a 2021. É o segundo ano consecutivo em que as retiradas são maiores que os depósitos.

Os bancos tradicionais oferecem em geral dois produtos de investimentos: a Caderneta de Poupança e as Letras de Crédito, que podem ser Imobiliárias (LCI) ou do Agronegócio (LCA). No primeiro trimestre de 2023, as LCAs bateram os R$ 324,6 bilhões sob custódia dos bancos, à frente das LCIs, enquanto a poupança chegou aos R$ 925,1 bilhões. Embora as LCAs tenham cerca de um terço do valor da Caderneta de Poupança, a procura da primeira pelos investidores é muito maior do que a segunda.

De acordo com o Fundo Garantidor de Crédito (FGC), as LCAs cresceram 116,5% entre março de 2020 e março de 2023, frente a um crescimento de 11,5% da poupança.

“Eu não deixo o dinheiro na poupança”, declara Paulo Kruschewsky, 23, investidor da Bolsa há três anos. A entrada de jovens assíduos no mercado de valores também é notada por Stormer. “Tenho alguns alunos com 15, 16, 17 anos”, observa. Segundo o relatório de investidores de março deste ano da B3, metade dos novos investidores individuais têm entre 25 e 39 anos de idade.

Aliança estatal e privada

Em junho, o jornal online Estadão lançou o editorial “Os acenos de Lula para o agronegócio”. O texto cita uma fala de Lula numa feira do agronegócio na Bahia: “Se não é o Estado colocar dinheiro, muitas vezes o agronegócio não estaria do tamanho que está.”

Dá pra se ter uma ideia de que tamanho o agronegócio está. Em produção, gigante. Em receita para financiar esta produção, bilionário. No ano-agrícola 2022-2023, que termina em junho deste ano, o aporte estatal à produção agroindustrial no país foi de R$ 341 bilhões.

Já os recursos privados no setor, dos quais participam pessoas físicas e jurídicas, fecharam o balanço de maio de 2023 com R$ 776,7 bilhões, mais que o dobro do subsídio público disponível para empréstimos.

Investindo na alta de preços

Oito em cada 10 cotas de Fiagro oferecidas no mercado de capitais foram negociadas por pessoas físicas, padrão que se repete desde sua criação, em 2021. A lei do Fiagro foi aprovada no Legislativo com apoio do lobby ruralista, grupo que afirma o objetivo de “caminhar com as próprias pernas”, nas palavras do autor do projeto de lei, o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP).

O Fiagro consagrou um movimento de financiamento privado do agronegócio no Brasil, afirma Bruna Figueiredo Gonçalves, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ).

“Talvez as LCAs e os CRAs fossem só mais alguns instrumentos com siglas que ninguém sabia o que eram. Mas com o Fiagro é todo um arcabouço criado para o agronegócio, o que deu uma visibilidade muito maior à importância do setor, em como as pessoas poderiam investir e participar dele”, analisa.

Para Gonçalves, a financeirização das commodities deve levar à volatilidade de preços, como de terras e de alimentos. “A decisão por onde investir ou não fica a cargo dos investidores financeiros, e não importam as necessidades nacionais, a segurança alimentar. [O dinheiro] vai para onde for mais interessante financeiramente, independente se vai acabar o feijão no país”, declara Gonçalves.

Um dos incentivos que atraem pessoas físicas para tais investimentos é o fiscal. O catarinense e economista Ezequiel Henrique Philippi conta que possui 30% das suas aplicações de renda fixa em Letras de Crédito, parte no setor imobiliário e outra parte no agronegócio. “Eu vejo o que está dando mais retorno e aplico, muito por causa da isenção de imposto de renda”, conta o investidor.

Perguntado sobre o motivo de aplicar dinheiro em produtos do agronegócio, Philippi ainda dá outro motivo: “Por uma questão dos números, né? O Brasil quebra recordes de produção e tem a questão do PIB do Brasil, [onde] o agronegócio tem uma participação muito relevante.”

Ele não está sozinho ao falar de PIB e agronegócio. Os profissionais do mercado financeiro continuam usando a marca percentual de 2021, quando o agronegócio foi responsável por 26,6% da arrecadação, para convencer investidores de que há segurança de aplicar no setor. Como qualquer setor vulnerável às mudanças de mercado e, neste caso, também às mudanças climáticas, o agronegócio apresenta riscos. “A instabilidade é inerente ao mercado financeiro”, pondera Gonçalves.

Fonte: Uol.